Contra a política de destruição do País

<i>Inevitável</i> é a luta dos trabalhadores

Anselmo Dias

A explicação do retrocesso civilizacional em curso assenta em múltiplos argumentos por parte da direita. Os seus arautos, hegemónicos em tudo o que seja comunicação social, no seu afã de condicionar a opinião pública, utilizam um argumentário diversificado em função de cada um dos objectivos pretendidos.

Reiteradamente divinizam o livre funcionamento do mercado, embora, recentemente, face à crise geral do sistema capitalista, tenham hibernado esse argumento por razões meramente tácticas.

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Em sua substituição valorizam, entre muitos outros, três argumentos.

Um primeiro, em nome da crise, surge o conceito «inevitabilidade» para criar um sentimento de resignação e de medo tendente a inibir as pessoas não só de resistirem, como de lutar contra o roubo dos salários, contra a destruição de direitos e contra tudo o que diga respeito a conceitos éticos e patrióticos, como sejam, respectivamente, a dignidade e a soberania nacional.

Um segundo, para justificar o empobrecimento generalizado da população, na base de que os portugueses vivem acima das suas possibilidades, facto demagogicamente demonstrado por eles na base da diferença entre aquilo que importamos e aquilo que exportamos.

Um terceiro, para incutir a ideia de que por via do microcrédito e do empreendedorismo e à velocidade de um clique, o país pode dar a volta por cima e resolver o problema do desemprego.

O objectivo deste artigo destina-se a contribuir para desmontar tais argumentos, designadamente os dois últimos.

 

Os portugueses não vivem
acima das suas possibilidades

 

A direita, ao referir que os portugueses vivem acima das suas possibilidades, remete sistematicamente esse delirante facto para os elevados salários dos trabalhadores e, igualmente, para o défice comercial.

Quanto ao argumento dos salários, o Avante! tem, repetidamente, divulgado elementos estatísticos comprovando a existência de salários de miséria entre nós e salientado que o que existe é uma profunda e errada distribuição da riqueza criada em Portugal, país campeão da diferença de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres.

Quanto à diferença entre aquilo que compramos aos estrangeiros e aquilo que lhes vendemos sugerimos uma análise ao nosso comércio internacional.

Os dados disponíveis pelo Instituto Nacional de Estatística são recentes e referem-se a 2011.

Tendo como referência a nomenclatura «CAE-REV.3» constata-se que o nosso País comprou no estrangeiro mercadorias no valor global de 57 730 milhões de euros.

Os principais produtos foram:

Petróleo e gás natural: 7339 milhões de euros;

Veículos automóveis e seus componentes: 5553 milhões de euros;

Produtos químicos e fibras sintéticas: 5464 milhões de euros;

Produtos alimentares (transformados pela indústria): 5447 milhões de euros;

Equipamentos informáticos, electrónicos, de comunicação, óptica, etc: 3522 milhões de euros;

Metalúrgia de base: 3156 milhões de euros;

Máquinas e equipamentos: 3074 milhões de euros;

Produtos alimentares (provenientes da agricultura e da produção animal): 2675 milhões de euros;

Produtos farmacêuticos: 2320 milhões de euros;

Equipamentos eléctricos: 2310 milhões de euros;

Produtos petrolíferos refinados: 2209 milhões de euros;

Vestuário: 1774 milhões de euros;

Artigos de borracha e matérias plásticas: 1647 milhões de euros;

Produtos metálicos excepto máquinas e equipamentos: 1344 milhões de euros;

Têxteis: 1298 milhões de euros;

Pasta de papel e de cartão: 1154 milhões de euros;

Outros produtos provenientes da indústria transformadora: 1077 milhões de euros;

Calçado e produtos da indústria do couro: 1066 milhões de euros.

Estes 18 sectores representam 91% do total das mercadorias que tivemos de comprar no estrangeiro.

Tais dados merecem uma reflexão porque, pela sua expressividade, é nesta área industrial que deve ser discutido aquilo que deve integrar o nosso modelo de desenvolvimento.

Esta estatística diz-nos que o dispêndio na compra de petróleo bruto, gás natural e produtos petrolíferos refinados custou ao país a significativa verba de 9548 milhões de euros.

Mas aquela estatística também nos diz esta coisa de pasmar: importámos produtos alimentares (não incluindo as pesca e a aquicultura) no valor de 8122 milhões de euros.

Outro dado para meditar: não obstante a nossa capacidade instalada na área do têxtil, do vestuário e do calçado, importámos, nestes sectores, mercadorias no valor global de 4138 milhões de euros, verba provavelmente associada à poderosa influência da publicidade para que os consumidores adquiram produtos de marca e de luxo.

Acrescentemos a tudo isto as vultosas compras no estrangeiro de veículos, máquinas, ferramentas, equipamentos, material eléctrico e electrónico, instrumentos científicos, produtos químicos e farmacêuticos.

Toda esta panóplia de produtos industriais e alimentares justificam quatro perguntas:

quantos empregos foram criados no estrangeiro para corresponde às importações feitas pelos portugueses?

quantos empregos poderiam ser criados em Portugal de houvesse um racional ajustamento entre a nossa estrutura de consumo e a nossa estrutura produtiva?

que acções foram tomadas ao longo dos anos, pelos governos do bloco central, no sentido de substituir as importações por produção nacional?

que medidas foram postas no terreno com vista a satisfazer o mercado interno?.

Quatro perguntas nossas, quatro silêncios deles.

Esses silêncios não se circunscrevem, apenas, aos governantes do PS, PSD e CDS-PP.

Esses silêncios são extensivos aos gurus do sistema vigente que todos os dias, alternadamente, na TVI, na SIC e na RTP proclamam, sem contraditório, que não há alternativas ao retrocesso social imposto pelas troikas.

Quando falamos em gurus, falamos de Cantiga Esteves, João Duque, Miguel Beleza, Daniel Bessa, Medina Carreira, Ferreira Machado, António Borges, Victor Bento, António Nogueira Leite, João Salgueiro, entre muitos outros.

Pois bem, perguntemos a tais personalidades se, no alto das respectivas cátedras e no respaldo da sua sabedoria, alguma vez na vida, já fizeram os seguintes cálculos:

que impacto haveria no mercado interno se o coeficiente entre os rendimentos dos mais ricos e os rendimentos dos mais pobres equivalesse à média dos países europeus?

quantos milhões (e milhões) de euros entrariam nos cofres do Estado sob a forma de impostos (IRS, IRC, IVA, etc.) se houvesse a substituição de importações por produção nacional (deixamos a cada um deles a fixação da taxa de substituição)?

em função dessa taxa de substituição qual seria o impacto no Orçamento do Estado, na dívida do Estado e na dívida externa total?

ainda em função dessa taxa de substituição quantos empregos seriam criados?

Outras quatro perguntas, outros tantos silêncios.

 

A saída da crise

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As questões atrás referidas têm, desde sempre, merecido a atenção do PCP.

Em 1977 (4 e 5 de Junho) teve lugar a «Conferência nacional para a recuperação económica» na qual foram propostas algumas direcções fundamentais que deviam nortear a nossa economia, de que se destaca:

redução das importações;

aumento das exportações;

poupança de recursos;

produção nacional de artigos importados;

alargamento do mercado interno;

estímulo aos ingressos externos.

No que diz respeito à agricultura, a Conferência declarou que: «O aumento da produção agrícola é um dos problemas básicos cuja solução é essencial para a recuperação económica e financeira do País, dado que a elevadíssima importação de produtos agrícolas é uma das causas fundamentais do desequilíbrio da balança comercial e de pagamentos»

No fomento da indústria nacional e na política de substituição de produtos importados, a Conferência detalhava um vasto conjunto de soluções na área dos produtos mineiros, na siderurgia, nos equipamentos, máquinas e aparelhos, nas fibras químicas, no material eléctrico e electrotécnico, nos produtos farmacêuticos, entre muitos outros.

Em 1985 (30 e 31 de Março) teve lugar mais uma Conferência Nacional – «A Via de Desenvolvimento para vencer a Crise» –, subordinada a três objectivos fundamentais, dos quais salientamos o seguinte:

«Dar resposta a novos problemas da situação económica e financeira, como é o caso da dívida externa, da iminência da ruptura financeira do sistema bancário ou do flagelo social dos salários em atraso, e responder igualmente a problemas que não sendo novos atingem agora uma gravidade qualitativamente nova, como é o caso, entre outros, da submissão ao imperialismo, da degradação do aparelho produtivo, do desemprego, da inflação, etc.».

Na intervenção de encerramento, o camarada Álvaro Cunhal salientou três elementos essenciais na caracterização da crise.

a) A recessão, a desorganização, a desestabilização e a anarquia do processo produtivo de todas as actividades económicas;

b) O endividamento geral (das empresas, do Estado e do País), que se traduz na constância dos défices da Balança Comercial e de pagamentos, numa pré-ruptura do sistema financeiro e de uma incomportável dívida externa.

c) A degradação constante das condições de vida do povo.

Em 2007 (24 e 25 de Novembro) realiza-se mais um conferência, desta vez denominada «Questões Económicas e Sociais», na qual foi salientado que no espaço dos últimos 20 anos se registou um agravamento do défice comercial de cerca de 70% nos produtos da pesca e um decréscimo, desde 1985, de cerca de 16,5% do PIB no que concerne ao peso da indústria transformadora no conjunto da riqueza produzida em Portugal.

Conclusão:

Estes exemplos evidenciam que as políticas de direita levadas a cabo pelo PS, PSD e CDS-PP explicam – a par da corrupção, do desperdício, da má aplicação de recursos, da exortação à não poupança e ao consumismo – os danos conscientemente provocados no nosso tecido produtivo do qual emerge o défice orçamental e as dívidas do Estado, das empresas e das famílias.

O PCP foi o único partido que, reiteradamente, não só fez um diagnóstico correcto da situação, como foi aquele que apresentou, em tempo útil, as propostas tendentes à resolução dos graves problemas decorrentes de um modelo de desenvolvimento económico inadequado aos interesses do País e do nosso povo.

Tais propostas foram, por divergência de classe, não só ignoradas pelo poder político, como glosadas pelos seus porta-vozes denominando-as de «a cassete do PCP».

Pois bem, passados 35 anos após a 1.ª Conferência é oportuno, neste momento, questionar: Quem teve razão? Quem tem razão? «A cassete do PCP» ou as vozes do dono?

 

A alternativa do poder


As troikas, a interna e a externa, conduziram o País à solução imposta pelos credores, ou seja, pagar, custe o que custar, as dívidas acumuladas externamente.

O plano da troika está ligado ao calote e apenas a este.

As economias e os impostos dos portugueses destinam-se a amortizar a dívida e a pagar os juros definidos pela agiotagem.

Dinheiro para investir no tecido económico, em projectos sustentáveis, tendentes a substituir as importações por produção nacional, na área da agricultura, das pescas e das indústrias transformadoras, é coisa impensável. «Jamais», como dizia o outro.

O dinheiro disponível, expresso em muitos dígitos e em muitos milhões, esse destina-se aos bancos alemães, franceses, espanhóis e demais nacionalidades.

O dinheiro disponível, expresso em meros trocos, uma espécie de gorjeta, esse pode, tanto quanto possível, ser canalizado para os jovens licenciados apanharem o avião e, assim, poderem emigrar.

Para aqueles que ficarem cá há umas migalhas disponíveis para o microcrédito e para o empreendedorismo.

 

A teoria do empreendedorismo
e do microcrédito

 

A teoria do empreendedorismo na versão Passos Coelho é uma mistificação, como ele muito bem sabe.

A teoria de que cada um de nós pode ser detentor dos seus próprios meios de produção e progredir na vida com engenho e arte é uma mera reciclagem, por parte da direita, das ideias de Proudhon (1809-1865), ideias destinadas a iludir os incautos e, por isso, combatidas por Marx, Engels e Lenine.

O empreendedorismo é um bluff, que joga, quer com o desespero das pessoas desempregadas, desejosas de conseguirem o auto-emprego, quer com a boa-fé de pessoas mal informadas.

Para se compreender a dimensão deste logro basta consultar os dados do Instituto Nacional de Estatística.

Com efeito, os indicadores demográficos das empresas permitem concluir que, em 2009, o número médio de pessoal ao serviço nos nascimentos de empresas era de 1,28 (um, vírgula vinte e oito centésimas)!

Mas como a maior parte das novas empresas eram micro e pequenas empresas isso significa que, na maior parte delas, o emprego gerado correspondeu, apenas, a uma unidade, simbolizada na figura de um empresário. Nem mais.

Estamos a falar de empresas com reduzido capital próprio nas quais, na maior parte delas, não abunda nem conhecimentos de gestão, nem conhecimentos de mercado e, ainda muito menos, de conhecimentos científicos e tecnológicos.

Sem adequados capitais próprios, sujeitos aos juros impostos pelos bancos, sem escala adequada face à concorrência, não é de estranhar que cerca de 47% dessas empresas desapareçam em menos de dois anos.

Ao fim de dez anos conta-se pelos dedos de uma mão as empresas que sobreviveram.

À ilusão do empreendedorismo vendida por Passos Coelho segue, em paralelo, a ilusão vendida por alguns bancos, designadamente o BES, através do microcrédito, cujo dispêndio em publicidade por aquela instituição bancária ultrapassa, provavelmente, os meios disponibilizados nessa forma de crédito.

Para se perceber do que estamos falar basta recorrer aos dados fornecidos pela Associação Nacional de Direito ao Crédito, a qual, segundo o Diário de Notícias de 11 do corrente, referia que entre 1999 e 2011 foram aprovados 1676 negócios, no valor de 9,5 milhões de euros, que geraram 2122 postos de trabalho.

Estamos a falar de um investimento médio de cerca de 5700 euros por empresa e da criação média de 180 postos de trabalho por ano!

Num país com cerca de 1 200 000 desempregados (valor provavelmente já superado) seria necessário esperar tanto tempo quanto o tempo que nos separa do período pré-faraónico, ou seja, vários milhares de anos para resolvermos, no contexto do empreendedorismo e do microcrédito, o problema do desemprego em Portugal.

O desemprego, pela sua dimensão, nos dias que correm é uma arma ao serviço de um poder fascizante com um triplo objectivo: reduzir salários; afrontar os sindicatos; instalar o medo.

O desemprego para essa gente que está no Governo não é uma catástrofe. É uma estratégia. É uma oportunidade. É uma excelente oportunidade de reconfigurar o Estado à sua expressão mais simples e de vergar os trabalhadores à agenda do patrão.

O governo de Passos Coelho, em vez de resolver os défices do País por via do investimento na área produtiva, como desde sempre propôs o PCP, enveredou por uma maior subversão da Constituição, pelo empobrecimento da população e por uma guerra aos trabalhadores. Por isso mesmo é necessário prosseguir e intensificar a luta contra esta política.